3.8.09

Jovens desconhecem horrores do Khmer Vermelho no Camboja


















Mais velhos tentam contar histórias do regime comunista.
De 75 a 79, o Khmer Vermelho causou a morte de 1,7 milhão de pessoas.




Sum Touch parou de tentar contar aos seus netos sobre as mortes, a fome e o terror vividos enquanto o regime comunista do Khmer Vermelho destruiu o Camboja, mais de 30 anos atrás.

"Parece que, mesmo eu contando, eles não acreditam no que digo", disse Sum Touch, 71 anos, que perdeu muitos membros de sua família. "Dói meu coração que eles não saibam do que aconteceu".

Existe um antigo campo de extermínio perto daqui, e uma cabana repleta de crânios e ossos de algumas das vítimas. Porém, muitos dos jovens locais, ao que parece, não fazem ideia de como ou por que eles foram parar lá.

Enquanto luta para deixar seu passado para trás, o Camboja hoje sofre de um hiato de gerações particularmente doloroso: aqueles que sobreviveram ao regime do Khmer Vermelho, e seus filhos e netos, que sabem muito pouco a respeito.

"Não gosto disso, mas o que posso fazer?" disse Ty Leap, 52 anos, vendedor de macarrão e sucos de frutas. "É realmente inacreditável que aquelas coisas tenham acontecido".
Durante quase quatro anos, de 1975 a 1979, o Khmer Vermelho causou a morte de 1,7 milhão de pessoas por fome, excesso de trabalho e doenças, assim como pela tortura e execuções, enquanto se tentava construir uma cruel utopia rural.

Quase todos daqui com certa idade têm histórias para contar sobre terror, abuso, fome e perda de familiares. No entanto, essas histórias muitas vezes caem nos surdos ouvidos de uma geração que, ou não consegue conceber tal brutalidade, ou não parece disposta a aprender a respeito.

"Alguns idosos ficam tão irritados com seus filhos pela descrença que dizem, 'Gostaria que o Khmer Vermelho acontecesse novamente; assim você acreditaria'", disse Ty Leap.

Praticamente 70% da população cambojana têm menos de 30 anos, e quatro em cada cinco membros dessa jovem geração sabem pouco ou nada acerca dos anos do Khmer Vermelho, de acordo com uma pesquisa realizada no último outono pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Um desconhecimento similar – entre velhos e jovens – também parece envolver os julgamentos de cinco figuras destacadas do Khmer Vermelho, iniciados no mês passado como parte de uma ação que pretende, em parte, começar um processo de cura e conclusão.

Partes das sessões de julgamento estão sendo transmitidas, e jornais estão divulgando notícias. Mas, mesmo nesta vila ao lado de um antigo campo de extermínio a 40 quilômetros da capital, Phnom Penh, muitas pessoas disseram não estar cientes do que estava acontecendo.

"Eu perco alguns programas, então não sei a respeito disso", disse Khieu Hong, 36 anos, que ouvia um pequeno rádio. "Se você quer saber sobre os julgamentos, é melhor perguntar à polícia ou aos velhos".

Hun Ret, 36 anos, negociador de gado, disse que apoiava fortemente um julgamento para punir os criminosos do Khmer Vermelho. Mas ficou surpreso quando ouviu que os julgamentos já haviam se iniciado.

Mais uma vez, o estudo de Berkeley pareceu confirmar a percepção de ampla ignorância. Ele descobriu que apenas 15% das pessoas pesquisadas disseram saber ao menos alguma coisa sobre os julgamentos, embora esse número provavelmente tenha aumentado desde o início das audiências. O estudo foi baseado em entrevistas com mil pessoas em setembro.

Além da questão da idade, a falta de conhecimento sobre o passado parece ser uma combinação de cultura e política com, talvez, a passividade de um povo demasiadamente exaurido pela história para confrontar seus traumas.

Os julgamentos estão sendo organizados sob pressões da ONU e de governos ocidentais, num país que talvez preferisse a abordagem de seu primeiro-ministro, Hun Sen, que certa vez propôs que o Camboja deveria "cavar um buraco e enterrar seu passado".

Hun Sen era um comandante de médio escalão no Khmer Vermelho, embora não haja evidências de que tenha cometido grandes crimes. Diversos membros importantes de seu partido – atualmente no poder – e do exército são também ex-membros do Khmer Vermelho.

Graças a essa contracorrente na história recente, o período do Khmer Vermelho não foi ensinado na escola, fazendo com que alguns professores sobreviventes se sentissem órfãos em relação aos estudantes.

Um livro didático que discute os anos do Khmer Vermelho foi preparado, mas chegará somente a uma parte dos estudantes do país.

"Eu falo com eles, mas eles nem sempre acreditam no que digo", disse Kann Sunthara, 57 anos, professora de química. "Meu pai, meu marido, irmãos, irmãs e muitos outros morreram. Algumas vezes, quando estou falando sobre eles, tenho que me virar para chorar".

Outro professor, Eam Mary, 41 anos, que foi severamente torturado enquanto garoto sob o Khmer Vermelho, disse só conseguir capturar a atenção da classe quando conta histórias estranhas, como a vez em que a fome o obrigou a comer filhotes de ratos, lagartos ou coisas piores.

A lacuna de gerações parece evidente aqui, no ex-campo de extermínio, onde dúzias de crânios e ossos foram preservadas num memorial improvisado – um das centenas por toda a cidade – como prova de que os massacres realmente aconteceram.

Algumas pessoas mais velhas dizem ainda escutar os lamentos de fantasmas errantes, cujos corpos não foram propriamente colocados para descanso.

"Eles choram, 'woooo, woooo!'" disse Khieu Hong, o homem do rádio. "Soa como alguém sendo torturado e gritando por socorro".

No entanto, as crianças que pastoreiam gado perto dali parecem surdas às lamúrias dos fantasmas.

Para algumas delas, os ossos são brinquedos. Algumas vezes, eles enfiam seus dedos nos olhos das caveiras, como bolas de boliche. Às vezes, eles as colocam em suas cabeças como assustadores bonés, contam as crianças. Ouras vezes, as chutam.

Entretanto, eles pareceram confusos quando foram questionados de quem eram aqueles crânios.

"São os crânios de fantasmas!", disse Prok Poeuv, 11 anos, de pé junto à construção que guarda os ossos. Mas ele disse não saber que fantasmas eram esses e nunca havia ouvido falar do Khmer Vermelho.

Chhun Sam Ath, 42 anos, habitante de uma cabana ao lado da coleção de caveiras, é uma das pessoas mais bem informadas da vila. Ela traz um folheto sobre os julgamentos.

Ath disse que algumas pessoas daqui, bem no fundo de suas almas, podem saber mais sobre o passado do que parece.

"Acho que alguns dos meus filhos são reencarnações das vítimas do campo de extermínio", disse ela. "Quando as pessoas vêm e deixam oferendas para as caveiras, minha filha sempre corre para pegar a comida, como se eles estivessem trazendo tudo para ela".

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