As ações e o
pensamento do presidente do Uruguai
Por Victor Viana
O Presidente do
Uruguai, eleito em 29 de novembro de 2009, tornou-se uma referência ideológica
e política em todo o mundo. José Alberto Mujica Cordano,
conhecido popularmente como Pepe
Mujica nasceu em Montevidéu, em 20 de maio de 1935, é um agricultor e político a que muitos consideram não convencional. Na
condução de seu país demonstra ações que o tem colocado à frente de países
considerados mais desenvolvidos como os Estados Unidos, países europeus e, na
América Latina, o Brasil. Mujica já foi deputado, ministro da Pecuária,
Agricultura e Pesca e, durante a juventude, militou em atividades de guerrilha, como membro do Movimento de Libertação
Nacional-Tupamaros. Mujica é ateu e
casado com a também ex-militante Lucía Topolansky,
sua companheira há quase 40 anos.
Tornou-se celebre seu discurso
na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e recentemente, em a entrevista
uma emissora de TV espanhola, elucidou
um pouco mais sobre seu pensamento e suas ações como homem e presidente do
Uruguai. Recebe 12.500 dólares mensais por seu trabalho à frente do país, mas
doa 90% de seu salário para ONGs e pessoas carentes. Seu carro é um fusca. Mora
em sua pequena fazenda nos arredores de Montevidéu e para ele o restante que
sobra do seu salário (cerca de R$ 2.538,00 ) segundo ele, é o suficiente para se manter. “Este dinheiro
me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com bem menos”,
diz o presidente, que procurou explicar na entrevista que não são apenas razões
políticas que o fazem viver um estilo de vida simples e abdicar de privilégios
dados a chefes de estado:
"Em
relação ao uso do Palacete Presidencial
para abrigar pessoas pobres, pessoas famintas e sem teto. Na verdade é preciso
primeiros lembrar que esse é um problema que existe no mundo todo. E não foram
abrigados apenas gente que não tinha dinheiro mas também gente que estava perturbada pela civilização.
Sou sóbrio. Eu não quero falar de austeridade porque é uma palavra que está
muito prostituída. Porque para mim o mais importante é a liberdade. Me preocupa
muito a casa grande e os muitos serviços e serviçais. Não posso ficar de blabla
,nem tenho tempo pra isso. Tenho de me ocupar de viver . E se tenho muito
dinheiro terei de me preocupar que não me roubem. Prefiro ter o maior tempo possível disponível para
ser o que gosto de ser, ter liberdade. Sou sóbrio para ter tempo. Porque quando
compro alguma coisa com dinheiro não estou comprando com dinheiro, estou
comprando com meu tempo. Um tempo precioso da
minha vida e a vida que estou gastando para ter esse dinheiro. E se há uma coisa que não se compra é a vida. Então
precisamos descobrir uma forma melhor de gastar a vida, que não seja trabalhado
e trabalhando para consumir mais e mais.
Depois ficamos enlouquecidos porque não temos tempo pra isso, não temos
tempo pra quilo. Quando jovem não tenho tempo para minha esposa, depois não
tenho tempo para os meus filhos, e outras coisas e coisas. Então quando querer
acordar já será um velho reumático que
passou todo o seu tempo trabalhando para ter. Então minha vida austera é uma
forma de viver bem. Espero que tenha me feito entender ( risos)".
Perguntado pela repórter sobre
a crise europeia, afirmou que ela não interferiu tanto em seu pequeno país e
que tinha a impressão de que a crise não era tanto econômica, mas sim política.
O mesmo posicionamento teve em seu discurso na ONU, em que discordou que o
problema da pobreza e outros fossem uma questão ecológica,
"A
grande crise não é ecológica, é política!", disse
e completou a sua afirmação com um exemplo:
" Como eliminar o grave problema da pobreza. Que se passa em nossas
cabeças?O modelo de desenvolvimento e consumo que vive as sociedades ricas ?
Faço uma pergunta, o que aconteceria a esse planeta se os habitantes da Índia
tivessem a mesma proporção de carros por habitantes que os alemães? Quanto de
oxigênio teríamos para poder respirar? A vida é curta e passa muito rápido. E a
vida vai passando e seguimos trabalhando e trabalhando para consumir sempre
mais e mais".
O mundo
inteiro tem demonstrado não somente descontentamento ou indignação com os
governos em geral, mas também desesperança em relação a política e ainda mais
aos políticos. Mujica em muitos aspectos não parece um político. Teve importante papel no combate à ditadura civil-militar no Uruguai
(1973-1985). Na guerrilha,
coparticipou de "assaltos", "sequestros" e do episódio
conhecido como Tomada de Pando, ocorrido em 8 de
outubro de 1969, quando os tupamaros tomaram a delegacia de polícia, o quartel do corpo de bombeiros,
a central telefônica e
vários bancos da cidade de Pando, situada a 32 quilômetros de Montevidéu. Mujica passou 14 anos na prisão,
que por ironia tinha o nome de "Libertad", de onde só saiu no final
da ditadura, em 1985. É com essa biografia que fala sobre a democracia:
" A
republica existe para afirmar que todos somos iguais. Mas não é o que os jovens veem em relação
aos privilégios dos políticos. Por mais infraestrutura que se tenha uma nação
isso é sempre desigual. Creio que isso é uma maneira tonta de viver. No mundo
há muito tonteira . É possível que sim que as coisas mudem. Vejo pequenas
revoluções que depois se dissolvem como uma nuvem porque para construir uma
mudança é essencial a construção de uma ferramenta coletiva, que não acabe. Não
estou dizendo que essas manifestações são más, mas acho que a luta deve ser
mais alargada para que seja mais coletiva.
A política tem de ser coletiva porque leva muito tempo uma mudança. É
preciso que o político dedique a vida a criar uma disciplina coletiva. Essa preocupação
com a coletividade está cada vez mais difícil para o homem contemporâneo. A
política tem de ser uma forma de se fazer com que a maioria das pessoas vivam
melhor. Viver melhor não é só ter mais. Mas ser mais feliz. Mas no cenário
atual se pararmos de consumir a economia
será paralisada e se instaura o caos. Por isso digo que o grande problema é
mais político que ecológico".
No decorrer da entrevista é
perguntado sobre os três temas polêmicos que a frente do Uruguai teve a coragem
de assumir:
Legalização do Aborto
O presidente José Mujica
promulgou, em outubro do ano passado, a lei de descriminalização do aborto para
determinadas condições. Na Câmara dos Deputados, a votação levou 14 horas
devido aos intensos debates, e foi marcada por uma votação apertada: 50
deputados a favor e 49 contra. No Senado, porém, o processo aconteceu de forma
mais rápida. A descriminalização do aborto foi aprovada por 17 dos 31
legisladores. Sobre sua decisão disse:
"Por
questão de principio não posso estar a favor do aborto. O que se vê é um quadro
enorme de mulheres em toda a sociedade que vivem a amargura de ter de tomar essa decisão. E isso por varias razões,
porque a família não entende e não acolhe, por solidão, por uma serie de
coisas. E assim vivem em clandestinidade muitas morrem por causa de abortos
ilegais. Muitas mulheres se arrependem
de terem feito o aborto, mas ao mesmo tempo elas podem estar abandonadas pela sociedade . Então como governante de um
pequeno país preciso tomar uma decisão que não seja dos meus princípios, mas sim reconhecendo a existência de um
problema, que é a de mulheres a marginalizadas. Não posso discutir pelos meus
princípios mas pela realidade, porque represento um país. Por exemplo não posso impedir que as pessoas bebam, que fiquem
bêbados. Isso é uma escolha".
Para abortar, a
gestante uruguaia tem de passar por uma consulta obrigatória com um médico, a
quem deverá manifestar o desejo de abortar. O médico vai encaminhar a paciente
a um comitê - formado por um ginecologista, um psicólogo e um assistente
social. A gestante terá de explicar por que quer abortar. O comitê, então, vai
aconselhar a gestante sobre os riscos, e ela terá cinco dias para se decidir. O
aborto só poderá ser feito em centros de saúde registrados. Abortos que não
sigam esses procedimentos continuarão sendo ilegais. Segundo organizações
sociais do país, cerca de 30 mil abortos ilegais são feitos por ano no Uruguai.
Estima-se que 28% das mortes de gestantes no país ocorram por causa de abortos
clandestinos.
Legalização da Maconha
José Mujica, diz que em seus
77 anos de vida nunca fumou maconha. Mas se for aprovado um projeto de lei
apresentado por deputados governistas, é possível que no futuro o Estado
encabeçado por Mujica tenha que regular a produção e a venda da droga a
consumidores. Apesar do mandatário assegurar que "era contrário" à
legalização, ele mesmo acabou impulsionando a ideia de regularizar.
"O Uruguai tem uma longa tradição em
reconhecer a realidade. Um exemplo é o reconhecimento da existência da
prostituição, temos essa tradição de reconhecer a realidade. Países como o EUA
não reconheceram. Mas no caso especifico
da maconha é uma praga como o tabaco. Não podemos impedir que as pessoas fumem.
A maconha também é uma praga. Nenhuma adição, com exceção do amor, são
recomendados. O problema maior não é a maconha, mas o narcotráfico. E pela via repressiva é uma guerra perdida: estão
perdendo em todos os lugares. Então que o Estado assuma".
União
homoafetiva
O Uruguai aprovou nesta quarta-feira
(10) o casamento homossexual, se tornando o segundo país latino-americano a
tornar lei a união entre pessoas do mesmo gênero - depois da Argentina. A
Câmara referendou o projeto 'matrimônio igualitário', aprovado há uma semana no
Senado, por 71 votos de um total de 92 deputados presentes. Sobre a lei sancionada
por ele disse dias antes: “Existe uma esquerda que se esqueceu de lutar
pelo poder e agora se entretém em discutir o casamento igualitário. Mas os
casais do mesmo sexo sempre existiram”, ao dizer que tinha plena convicção
de que a lei permitindo casamento gay, apoiada por ele, seria aprovada.
Ao fim é perguntado se gostaria de receber o prêmio
Nobel da Paz e se tinha medo de ser assassinado disse bem humorado:
"Que
premio da Paz que nada! Se me derem um
prêmio desse tipo teria de ser um prêmio para os humildes de Uruguai, para
ajudar as mulheres pobres que tem quatro ou cinco filhos, o meu povo. Eu
caminho em meu país e não uso essa parafernália toda que um presidente
geralmente usa . Pode ser que eu tenha algum inimigo também, mas se eu tiver de
morrer eu vou morrer. Sou um lutador".
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