10.8.13

O Perú Molhado: "Nenhuma adição, com exceção do amor, é boa"


As ações e o pensamento do presidente do Uruguai

Por Victor Viana

O Presidente do Uruguai, eleito em 29 de novembro de 2009, tornou-se uma referência ideológica e política em todo o mundo. José Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente como Pepe Mujica  nasceu em Montevidéu, em 20 de maio de 1935, é um  agricultor e político a que muitos consideram não convencional. Na condução de seu país demonstra ações que o tem colocado à frente de países considerados mais desenvolvidos como os Estados Unidos, países europeus e, na América Latina, o Brasil. Mujica já foi deputado, ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca e, durante a juventude, militou em atividades de guerrilha, como membro do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros. Mujica é ateu e casado com a também ex-militante Lucía Topolansky, sua companheira há quase 40 anos.
Tornou-se celebre seu discurso na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e recentemente, em a entrevista uma emissora de TV espanhola,  elucidou um pouco mais sobre seu pensamento e suas ações como homem e presidente do Uruguai. Recebe 12.500 dólares mensais por seu trabalho à frente do país, mas doa 90% de seu salário para ONGs e pessoas carentes. Seu carro é um fusca. Mora em sua pequena fazenda nos arredores de Montevidéu e para ele o restante que sobra do seu salário (cerca de R$ 2.538,00 ) segundo ele,  é o suficiente para se manter. “Este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com bem menos”, diz o presidente, que procurou explicar na entrevista que não são apenas razões políticas que o fazem viver um estilo de vida simples e abdicar de privilégios dados a chefes de estado:

"Em relação ao uso do  Palacete Presidencial para abrigar pessoas pobres, pessoas famintas e sem teto. Na verdade é preciso primeiros lembrar que esse é um problema que existe no mundo todo. E não foram abrigados apenas gente que não tinha dinheiro mas também  gente que estava perturbada pela civilização. Sou sóbrio. Eu não quero falar de austeridade porque é uma palavra que está muito prostituída. Porque para mim o mais importante é a liberdade. Me preocupa muito a casa grande e os muitos serviços e serviçais. Não posso ficar de blabla ,nem tenho tempo pra isso. Tenho de me ocupar de viver . E se tenho muito dinheiro terei de me preocupar que não me roubem. Prefiro  ter o maior tempo possível disponível para ser o que gosto de ser, ter liberdade. Sou sóbrio para ter tempo. Porque quando compro alguma coisa com dinheiro não estou comprando com dinheiro, estou comprando com meu tempo. Um tempo precioso da  minha vida e a vida que estou gastando para ter esse dinheiro. E se  há uma coisa que não se compra é a vida. Então precisamos descobrir uma forma melhor de gastar a vida, que não seja trabalhado e trabalhando para consumir mais e mais.  Depois ficamos enlouquecidos porque não temos tempo pra isso, não temos tempo pra quilo. Quando jovem não tenho tempo para minha esposa, depois não tenho tempo para os meus filhos, e outras coisas e coisas. Então quando querer acordar já será  um velho reumático que passou todo o seu tempo trabalhando para ter. Então minha vida austera é uma forma de viver bem. Espero que tenha me feito entender ( risos)".

Perguntado pela repórter sobre a crise europeia, afirmou que ela não interferiu tanto em seu pequeno país e que tinha a impressão de que a crise não era tanto econômica, mas sim política. O mesmo posicionamento teve em seu discurso na ONU, em que discordou que o problema da pobreza e outros fossem uma questão ecológica,

 "A grande crise não é ecológica, é política!", disse e completou a sua afirmação com um exemplo: " Como eliminar o grave problema da pobreza. Que se passa em nossas cabeças?O modelo de desenvolvimento e consumo que vive as sociedades ricas ? Faço uma pergunta, o que aconteceria a esse planeta se os habitantes da Índia tivessem a mesma proporção de carros por habitantes que os alemães? Quanto de oxigênio teríamos para poder respirar? A vida é curta e passa muito rápido. E a vida vai passando e seguimos trabalhando e trabalhando para consumir sempre mais e mais".

 O mundo inteiro tem demonstrado não somente descontentamento ou indignação com os governos em geral, mas também desesperança em relação a política e ainda mais aos políticos. Mujica em muitos aspectos não parece um político. Teve importante papel no combate à ditadura civil-militar no Uruguai (1973-1985). Na guerrilha, coparticipou de "assaltos", "sequestros" e do episódio conhecido como Tomada de Pando, ocorrido em 8 de outubro de 1969, quando os tupamaros tomaram a delegacia de polícia, o quartel do corpo de bombeiros, a central telefônica e vários bancos da cidade de Pando, situada a 32 quilômetros de Montevidéu.  Mujica passou 14 anos na prisão, que por ironia tinha o nome de "Libertad", de onde só saiu no final da ditadura, em 1985. É com essa biografia que fala sobre a democracia:

" A republica existe para afirmar que todos somos iguais.   Mas não é o que os jovens veem em relação aos privilégios dos políticos. Por mais infraestrutura que se tenha uma nação isso é sempre desigual. Creio que isso é uma maneira tonta de viver. No mundo há muito tonteira . É possível que sim que as coisas mudem. Vejo pequenas revoluções que depois se dissolvem como uma nuvem porque para construir uma mudança é essencial a construção de uma ferramenta coletiva, que não acabe. Não estou dizendo que essas manifestações são más, mas acho que a luta deve ser mais alargada para que seja mais coletiva.  A política tem de ser coletiva porque leva muito tempo uma mudança. É preciso que o político dedique a vida a criar uma disciplina coletiva. Essa preocupação com a coletividade está cada vez mais difícil para o homem contemporâneo. A política tem de ser uma forma de se fazer com que a maioria das pessoas vivam melhor. Viver melhor não é só ter mais. Mas ser mais feliz. Mas no cenário atual se pararmos de consumir  a economia será paralisada e se instaura o caos. Por isso digo que o grande problema é mais político que ecológico".
No decorrer da entrevista é perguntado sobre os três temas polêmicos que a frente do Uruguai teve a coragem de assumir:

Legalização do Aborto

O presidente José Mujica promulgou, em outubro do ano passado, a lei de descriminalização do aborto para determinadas condições. Na Câmara dos Deputados, a votação levou 14 horas devido aos intensos debates, e foi marcada por uma votação apertada: 50 deputados a favor e 49 contra. No Senado, porém, o processo aconteceu de forma mais rápida. A descriminalização do aborto foi aprovada por 17 dos 31 legisladores. Sobre sua decisão disse:

"Por questão de principio não posso estar a favor do aborto. O que se vê é um quadro enorme de mulheres em toda a sociedade que vivem a amargura de ter de  tomar essa decisão. E isso por varias razões, porque a família não entende e não acolhe, por solidão, por uma serie de coisas. E assim vivem em clandestinidade muitas morrem por causa de abortos ilegais.  Muitas mulheres se arrependem de terem feito o aborto, mas ao mesmo tempo elas podem estar abandonadas  pela sociedade . Então como governante de um pequeno país preciso tomar uma decisão que não seja dos meus princípios,  mas sim reconhecendo a existência de um problema, que é a de mulheres a marginalizadas. Não posso discutir pelos meus princípios mas pela realidade, porque represento um país. Por exemplo  não posso impedir que as pessoas bebam, que fiquem bêbados. Isso é uma escolha".
Para abortar, a gestante uruguaia tem de passar por uma consulta obrigatória com um médico, a quem deverá manifestar o desejo de abortar. O médico vai encaminhar a paciente a um comitê - formado por um ginecologista, um psicólogo e um assistente social. A gestante terá de explicar por que quer abortar. O comitê, então, vai aconselhar a gestante sobre os riscos, e ela terá cinco dias para se decidir. O aborto só poderá ser feito em centros de saúde registrados. Abortos que não sigam esses procedimentos continuarão sendo ilegais. Segundo organizações sociais do país, cerca de 30 mil abortos ilegais são feitos por ano no Uruguai. Estima-se que 28% das mortes de gestantes no país ocorram por causa de abortos clandestinos.

Legalização da Maconha
José Mujica, diz que em seus 77 anos de vida nunca fumou maconha. Mas se for aprovado um projeto de lei apresentado por deputados governistas, é possível que no futuro o Estado encabeçado por Mujica tenha que regular a produção e a venda da droga a consumidores. Apesar do mandatário assegurar que "era contrário" à legalização, ele mesmo acabou impulsionando a ideia de regularizar. 

"O Uruguai tem uma longa tradição em reconhecer a realidade. Um exemplo é o reconhecimento da existência da prostituição, temos essa tradição de reconhecer a realidade. Países como o EUA não reconheceram.  Mas no caso especifico da maconha é uma praga como o tabaco. Não podemos impedir que as pessoas fumem. A maconha também é uma praga. Nenhuma adição, com exceção do amor, são recomendados. O problema maior não é a maconha, mas o narcotráfico. E pela via repressiva é uma guerra perdida: estão perdendo em todos os lugares. Então que o Estado assuma".



União homoafetiva

O Uruguai aprovou nesta quarta-feira (10) o casamento homossexual, se tornando o segundo país latino-americano a tornar lei a união entre pessoas do mesmo gênero - depois da Argentina. A Câmara referendou o projeto 'matrimônio igualitário', aprovado há uma semana no Senado, por 71 votos de um total de 92 deputados presentes. Sobre a lei sancionada por ele disse dias antes: “Existe uma esquerda que se esqueceu de lutar pelo poder e agora se entretém em discutir o casamento igualitário. Mas os casais do mesmo sexo sempre existiram”, ao dizer que tinha plena convicção de que a lei permitindo casamento gay, apoiada por ele, seria aprovada.

Ao fim é perguntado se gostaria de receber o prêmio Nobel da Paz e se tinha medo de ser assassinado disse bem humorado:

"Que premio da Paz que nada!  Se me derem um prêmio desse tipo teria de ser um prêmio para os humildes de Uruguai, para ajudar as mulheres pobres que tem quatro ou cinco filhos, o meu povo. Eu caminho em meu país e não uso essa parafernália toda que um presidente geralmente usa . Pode ser que eu tenha algum inimigo também, mas se eu tiver de morrer eu vou morrer. Sou um lutador".    

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